Região, que concentrar a maior população do Distrito Federal, é marcada por comércio irregular, população em situação de rua e aumento de conflitos.
O centro de Ceilândia vive em clima de insegurança. A presença de comércio irregular, do tráfico e uso de drogas, além da atuação de grupos em vulnerabilidade social, preocupa moradores e comerciantes. Mesmo com queda gradual nos crimes contra o patrimônio, como roubos e furtos, nos últimos três anos — de 2.873 casos até outubro de 2023 para 2.602 no mesmo período de 2025 —, o centro de Ceilândia segue entre as áreas mais afetadas por roubos a pedestres. Apenas neste ano, 1.847 pessoas foram assaltadas enquanto caminhavam pelas ruas. O tráfico e o uso de drogas também cresceram: as ocorrências de tráfico passaram de 324 em 2023 para 380 em 2025, reforçando a sensação de vulnerabilidade entre comerciantes, trabalhadores e estudantes que circulam diariamente pela região.
Para o advogado Jhonathan Gonçalves Martins, 32 anos, morador de Ceilândia, que teve o carro arrombado e o estepe furtado há três meses, ao lado do restaurante comunitário, a sensação é de abandono no centro da cidade. "Foi questão de minutos. Fiquei decepcionado e preocupado ainda mais com a segurança da região", relata.
Ele afirma que a região, apesar de concentrar a maior população do Distrito Federal, tem se tornado "uma área sem lei". "Hoje, vemos comércio fechando, uso e tráfico de drogas a céu aberto e uma grande população em situação de rua sem qualquer política efetiva", declara. Jhonathan defende que o centro precisa ser reocupado pela comunidade com segurança e serviços públicos. "Segurança pública é dever do Estado. Precisamos de presença policial inteligente, iluminação e zeladoria constantes, abordagem social qualificada e apoio ao comerciante para reocupar o Centro com trabalho, cultura e serviços", frisa.
Os conflitos têm afetado diretamente o funcionamento de estabelecimentos comerciais. O proprietário de uma clínica, que preferiu não se identificar, relata que a insegurança atingiu um novo nível quando uma pessoa em situação de rua reagiu agressivamente após ser orientado a retirar uma barraca montada na porta do estabelecimento.
"Meu sócio pediu para ele tirar a barraca da frente, e o 'morador' de rua levantou a faca para ele", conta. Na mesma semana, em 22 de outubro, um homem de 37 morreu após ser esfaqueado por uma pessoa em situação de rua no mesmo local. "Toda semana tem Samu, spray de pimenta, polícia, tudo na frente dos nossos pacientes. A situação aqui está feia demais", queixa-se.
Segundo o empresário, a movimentação criminosa afugenta clientes e prejudica o funcionamento da clínica, recém-inaugurada há cinco meses. "Tem dia em que estão sentados esperando atendimento e, do nada, é briga, pau, facada ou gente sendo assaltada", alega. Ele relata que já houve desistência de atendimento por medo. "A pessoa chega para avaliação, vê a bagunça e vai embora. A gente investe em propaganda, mas a primeira impressão é de abandono", descreve.
Mesmo com um posto policial próximo, a rotina de Evelyn Cristina, 19, é marcada pelo medo. "O posto não ajuda muito, porque eles (criminosos) não ligam. Mesmo com a feira menor, não me sinto segura para mexer no celular, pedir Uber ou sair com dinheiro. Já fui seguida na hora do almoço e precisei correr para me proteger em um lugar seguro", conta. No prédio onde trabalha, foi necessária a instalação de portões gradeados para a segurança dos comerciantes.
Terreno fértil
O advogado e especialista em segurança pública Renato Araújo explica que a concentração de furtos, roubos e brigas no centro de Ceilândia segue um padrão comum a áreas de grande fluxo de pessoas e comércio informal. "Em ambientes com circulação permanente de vendedores, consumidores e transeuntes, há maior probabilidade de disputas territoriais, furtos por oportunidade e conflitos que degeneram em agressões", explica. Ele assegura que a presença de pessoas em situação de rua também influencia o cenário, já que a ausência de renda estável e de suporte do Estado pode levar parte desse grupo a atividades ilícitas de baixa complexidade. "Isso cria um microecossistema permanente de tensão, que acelera a fricção social", explica.
O comércio informal pode servir de canal para receptação de celulares e outros objetos roubados, o que alimenta o ciclo criminal. "Se existe mercado para revenda de objetos subtraídos, o furto se converte em atividade lucrativa. A receptação é o motor financeiro que mantém o furto funcionando como negócio", garante o advogado. Para ele, enquanto houver espaço para esse tipo de comércio, a criminalidade continuará se realimentando.
O especialista defende ainda que apenas o policiamento ostensivo não resolve o problema. "A presença policial qualificada com inteligência territorializada tem impacto real, assim como câmeras que fazem análise automática de padrões", explica. Araújo ressalta que a segurança depende também de ações conjuntas com assistência social, administração regional e outros órgãos. "Segurança urbana se resolve com presença contínua do Estado no território — com ordem, fiscalização e controle diário do uso do espaço público, não só com viaturas", destaca.
Medidas - A Polícia Militar (PMDF) reconhece que parte dos crimes contra o patrimônio registrados na região tem relação com o consumo de drogas e informa que tem reforçado o policiamento no centro de Ceilândia por meio de operações específicas, como Ceilândia Segura, Feira do Rolo e PIN 2025.
Segundo a corporação, equipes de radiopatrulhamento e patrulhamento tático — motorizado e a pé — atuam de forma contínua e com reforço de efetivo nos horários de maior movimento. E reforça que sua atuação precisa respeitar limites legais e recomendações do Ministério Público. "As equipes só podem atuar em casos de comportamentos objetivamente suspeitos, detendo-os apenas em flagrante delito", ressalta.
Já a Secretaria de Segurança Pública (SSP/DF) lançou o programa "Segurança Integral", que visa fortalecer a proteção à população e ampliar a sensação de segurança. Segundo a SSP, relatórios semanais mapeiam "manchas criminais", indicando dias e horários de maior incidência para direcionar o policiamento. A pasta salienta ainda que ações integradas com o Conselho Comunitário de Segurança (Conseg) têm servido como canal direto com a população, que participa indicando problemas e necessidades específicas da região.
Paralelamente às ações de segurança, a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes) assegura que atua com abordagens sociais contínuas junto à população em situação de rua — ponto central do conflito no centro de Ceilândia. Desde junho de 2024, foram realizadas 32 ações de acolhimento somente em Ceilândia, com 188 pessoas abordadas. "O objetivo é criar vínculos, oferecer acolhimento e promover autonomia", informa a Sedes.
Em cooperação, a secretaria DF Legal afirma ter intensificado as ações de fiscalização na área central de Ceilândia. Desde 2024, o órgão registrou ao menos 30 operações no local para coibir o comércio irregular em áreas públicas. As ações mais recentes, no início de novembro, resultaram na retirada de caminhões, vans e mercadorias diversas, incluindo itens como facas e bebidas de origem desconhecida. Segundo o órgão, as operações são rotineiras e planejadas, mas também podem ser feitas a partir de denúncias de administrações regionais, conselhos comunitários, ouvidorias, Ministério Público e Secretaria de Segurança. A DF Legal assegura que seguirá com ações contínuas e de caráter massivo na região, com foco no ordenamento urbano, na devolução dos espaços públicos à população e na redução da sensação de insegurança.
