
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva consolidou uma ampla rede de aliados políticos em cargos de conselhos de
estatais e empresas privadas nas quais a União detém participação acionária. De
acordo com levantamento realizado a partir da Lei de Acesso à Informação (LAI),
cruzamento de dados de ministérios e documentos públicos, 323 nomes ligados ao
governo, ao PT e à base aliada no Congresso foram nomeados para esses postos.
Esses cargos, que em muitos casos exigem
apenas a presença em reuniões periódicas, garantem remunerações adicionais que,
somadas aos salários já recebidos, podem ultrapassar os R$ 80 mil mensais. A
prática, embora amparada na Lei das Estatais e submetida à avaliação dos
comitês de elegibilidade das empresas, é criticada por especialistas por favorecer
indicações políticas em detrimento de critérios técnicos.
Quem
são os beneficiados
- Entre os nomeados estão ministros de Estado, secretários executivos, chefes
de gabinete, servidores comissionados, dirigentes partidários, ex-deputados e
assessores de parlamentares de destaque, como os presidentes do Senado, Davi
Alcolumbre (União Brasil-AP), e da Câmara, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), além do
ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL).
No núcleo do Planalto, nomes como Débora
Raquel Cruz Ferreira, jornalista e chefe de gabinete da Secretaria de
Coordenação e Governança das Empresas Estatais (SEST), integra o conselho da
Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgeprom), subordinada à Marinha. Antes,
Débora atuava como assessora de imprensa do Ministério dos Esportes e em
sindicatos de trabalhadores da saúde.
Outro exemplo é Lucas Monteiro Costa Dias,
diretor de programa na Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom).
Formado em história e com atuação limitada à assessoria política, ele ocupa
vaga no conselho fiscal da Caixa Cartões, subsidiária da Caixa Econômica
Federal, recebendo R$ 5.430,87 mensais em “jeton”, nome dado a essa remuneração
extra que complementa salários de servidores públicos com assentos em
conselhos.
Cargos estratégicos para aliados - O
Ministério de Portos e Aeroportos indicou Felipe Matos, secretário de
Desenvolvimento Econômico da Prefeitura de Recife, para o conselho da Companhia
Docas do Rio Grande do Norte (Codern), mesmo sem experiência no setor
portuário. A indicação, endossada pelo ministro Silvio Costa Filho
(Republicanos-PE), reflete a troca de favores políticos entre o Executivo e
aliados regionais.
No primeiro escalão do governo, 13
ministros ocupam cargos em conselhos. A usina Itaipu Binacional, por exemplo,
abriga Fernando Haddad (Fazenda), Rui Costa (Casa Civil), Alexandre Silveira
(Minas e Energia), Esther Dweck (Gestão) e Mauro Vieira (Relações Exteriores),
com reuniões bimestrais que podem render cerca de R$ 34 mil por participação.
No Sistema S, o Serviço Social do Comércio
(SESC) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) também abrigam
ministros como Luiz Marinho (Trabalho), Alexandre Padilha (Saúde) e Camilo
Santana (Educação), com ganhos que ultrapassam R$ 28 mil e R$ 21 mil,
respectivamente.
Além de estatais e empresas mistas,
ministros e auxiliares próximos de Lula ocupam postos em empresas privadas com
participação da União. Anielle Franco (Igualdade Racial), por exemplo, foi
nomeada para o conselho da Tupy, multinacional do setor metalúrgico, onde a
média de remuneração mensal para conselheiros ultrapassa R$ 39 mil.
Ligação com o Congresso Nacional - As
articulações políticas não param no Executivo. Assessores e aliados de líderes
do Congresso também foram contemplados. Ana Paula de Magalhães, chefe de
gabinete de Davi Alcolumbre, foi indicada para o conselho da PPSA e para o
conselho fiscal da Caixa Loterias. Micheline Xavier Faustino, assessora de
Rodrigo Pacheco, ocupa vagas na PPSA e na Eletronuclear.
Já Mariangela Fialek, assessora da
Presidência da Câmara, mantém cargo na Brasilcap, enquanto Fábio Coutinho,
chefe de gabinete do senador Otto Alencar (PSD-BA), integra o conselho da
Nuclep, estatal do setor nuclear e de defesa.
No PT, a tesoureira nacional Gleide Andrade
está no conselho da usina Itaipu, enquanto os ex-deputados Jorge Ricardo Bittar
e Maurício Quintella Lessa foram nomeados para conselhos da Telebrás e do Instituto
de Resseguros do Brasil (IRB).
Críticas
à prática e questionamentos técnicos - Especialistas em governança apontam que
o governo Lula se apoia em brechas da legislação para acomodar aliados em
conselhos, prática que compromete a eficiência e o desempenho técnico dessas
empresas. Sandro Cabral, professor do Insper, observa que muitas dessas
indicações não seguiriam os critérios de mercado privado, onde a escolha de
conselheiros prioriza experiência e formação na área de atuação da empresa.
“O problema é que, embora a pluralidade de
formações possa ser positiva, falta um critério mínimo de senioridade e
conhecimento técnico. Muitos ocupam cargos sem a formação ou experiência
adequadas”, avalia Cabral.
Apesar disso, o governo argumenta que a
diversidade de perfis é estratégica para o fortalecimento da governança
corporativa, citando a prática como alinhada aos padrões internacionais.
A Terracap, empresa pública do governo do
Distrito Federal onde auxiliares de Haddad e Rui Costa foram nomeados, defendeu
que as remunerações e critérios de escolha foram aprovados em assembleia de
acionistas.
Remunerações
turbinadas
- Com as nomeações, os rendimentos extras dos conselheiros aumentam
significativamente. Ministros como Vinícius Marques de Carvalho, da CGU, acumulam
salários de R$ 44 mil no ministério mais jetons de R$ 39 mil da Tupy e R$ 5 mil
da Brasilcap, ultrapassando R$ 83 mil em um mês.
No Sistema S, os ganhos também são expressivos. Luiz Marinho e Alexandre Padilha recebem mais de R$ 28 mil no conselho do SESC. Camilo Santana, no Senac, ganha R$ 21 mil, e o advogado-geral da União, Jorge Messias, atua no conselho da Brasilprev.